Acelera, motoboy![/b]
Estadual de Motovelocidade terá categoria para entregadores de pizzas, mototaxistas e loucos do trânsito
Publicada em
07/06/2011 às 00h13m
Ary Cunha
Nem sempre a pressa de um motoboy acaba em pizza. Ao ter o retrovisor de seu carro destruído por um desses alucinados sobre duas rodas que circulam pela cidade, o diretor de velocidade da Federação de Motociclismo do Rio, Claudio Sarmento, o Bicudo, não evitou a primeira reação instintiva de qualquer motorista: soltou uma dezena de palavrões, enquanto a surrada 125 cilindradas com baú na traseira sumia no meio do engarrafamento.
Com a mãe do infrator devidamente elogiada e o prejuízo financeiro consumado, ele percebeu no incidente uma forma inusitada de aumentar o interesse pela modalidade que dirige. No dia 10 de julho, a primeira etapa do Estadual de Motovelocidade, no Autódromo Nelson Piquet, em Jacarepaguá, terá uma categoria exclusiva para motoboys.
Remanescente e vice-campeão da bateria pioneira organizada por Bicudo, em 2009, o mototaxista Moacir Rodrigues, conhecido como Charles, desta vez só pensa no lugar mais alto do pódio. Morador do Morro de São Carlos, ele costuma despertar inveja em outros marmanjos quando acelera, mas não necessariamente por suas habilidades na pista. Há 11 anos, ele faz ponto na entrada da Vila Mimosa, tradicional ponto de prostituição do Rio. Charles jura que nunca precisou tirar um tostão do bolso para que sua garupa fosse disp**ada a tapas, unhadas e sapatadas de salto entre as profissionais do sexo, ao fim do expediente. No caso do mototaxista, de 39 anos, não demorou para o velho ditado "onde se ganha o pão..." cair em desuso. Com uma enorme tatuagem nas costas reproduzindo uma foto sua pilotando, Charles garante que hoje só tem olhos para a motovelocidade:
- De tanto levar as meninas em casa, veio o Charlinho, meu filho, que vai fazer 10 anos. Tirei a mãe dele da vida e hoje somos casados.
No trabalho ou na pista, a vida em duas rodas é tudo que eles sempre quiseram. Mas nem sempre a entrega chega ao destino. Homônimo do lutador de MMA, o motoboy Anderson Silva não gosta de briga, mas é duro na queda. Ele já foi resgatado de helicóptero e tem três parafusos na perna esquerda depois de ter sido abalroado por um carro na Barra. Ficou mais de um mês em casa, mas não largou as motos. Depois de travar um duelo até a última curva com Charles em 2009, e ficar em terceiro, ele conseguiu apoio para subir de categoria. Vai competir na Twister 250cc. Mas o patrocínio só deu mesmo para melhorar a moto.
- Meu mecânico é Deus. Aqui, a gente mete a mão na moto e conserta. Mas só de subir de categoria já melhorou muito - brinca Anderson, que usa o número 77.
Que ninguém espere ver o entregador de quentinhas do bairro montado numa super máquina digna de Valentino Rossi. Por ser uma categoria amadora, os motoboys usarão na pista suas próprias ferramentas de trabalho, desde que, obviamente, aprovadas numa vistoria técnica. De qualquer forma, não soa perigoso demais lançar motoboys destemidos num circuito onde ídolos eternos como Senna, Piquet e Prost já encantaram o público carioca? Bicudo garante que não.
- Aqui, levar tombo da moto é coisa normal. Acidente é coisa bem mais grave. Mas eles fazem um curso sobre técnicas de segurança e usam equipamentos como macacão, bota, capacete fechado e protetor de coluna. E temos equipe médica sempre à disposição - explica. - Motoboy é persistente. São uns cachorros loucos esses caras. E, canalizando a vontade de acelerar numa pista de verdade, eles aprender a ser bem mais prudentes no trânsito.
Para diminuir o custo da brincadeira e melhorar a performance das motos 125 e 150 cilindradas, os dublês de pilotos deverão tirar o máximo de peso de seus sonhos de metal. Está permitida a retirada de itens decorativos, como paralamas, carenagens e pedaleiras, e também de alguns obrigatórios no trânsito, como retrovisores, lanternas e faróis, para evitar que os vidros machuquem o piloto ou sujem a pista em caso de queda.
Motor não pode ser mexido
Na lista de proibições estão o indefectível baú onde documentos sigilosos e fumegantes redondas viajam, além de algumas manias da classe, como rádio via celular na cintura e o capacete na altura da testa, parecendo boné. Vale lembrar que tanto o motor quanto aquele escapamento que muitas vezes queima a perna da cara-metade não podem ser mexidos.
- Para a gente, o trabalho é pura diversão - afirma Guilherme Rodrigues, de 25 anos. - Agora, o autódromo virou o templo dos motoboys. Invadimos de vez.