É muito triste que fatos como estes sejam tão freqüentes na mídia, geralmente abordados de forma superficial ou deturpada, acabando por banalizar uma questão tão séria e complexa como a segurança no trânsito - e não apenas a dos motociclistas.
Fala-se muito em mobilização, protesto pacífico, idéias e atitudes nobres, porém, na prática que fazemos nós? A triste realidade, meus caros, é que nós, MOTOCICLISTAS, não somos unidos. Sim, esta é a verdade incoveniente que pouquíssimos têm facilidade de reconhecer - inclusive eu.
Os valores do altruísmo, cooperação e solidariedade para com os nossos pares são bastante apregoados em discursos e manifestos, mas na vida real, preferimos fechar os olhos para as aflições dos outros à nossa volta e no fim, praticamos o mesmo egoísmo que tão acaloradamente condenamos em nossos chefes de estado, quando dos seus desmandos infundados ou proposições ridículas, em prol sabe-se lá de quais interesses ou grupos.
Os tempos mudaram. O ideal romântico do motociclista intrépido e benevolente, aquele sempre pronto a socorrer outro desconhecido motociclista à deriva no acostamento, vítima de um pneu furado ou uma pane seca, este tipo praticamente não mais existe em nossos dias.
Um mundo perigoso e perverso nos rodeia, e num ambiente onde o inimigo anônimo está sempre à espreita para dar cabo de nossa vida ou nosso patrimônio, a desconfiança, outrora tida como defeito vil, transformou-se em virtude desejável e recomendável. Ainda que de forma velada, tal conduta preconceituosa é praticada constantemente - o que está, lamentavelmente, promovendo sua banalização. Estamos chancelando o preconceito simplesmente porque não sabemos quem se esconde sob o capacete alheio. Tampouco pretendemos desvendar este mistério.
As distinções têm um limite bem definido - de um lado, há os menos afortunados, montados sobre suas pequenas motos de até 250 cc, a maioria dos quais trabalhadores honestos, que, embora quisessem, não puderam adquirir um veículo maior. Estes são aqueles miseráveis perseguidos implacavelmente pela polícia, demonizados pela mídia, onerados pelos políticos e discriminados pela sociedade em geral.
Do outro lado do "front", estão alguns companheiros mais bem sucedidos, exibindo suas potentes e reluzentes máquinas de pelo menos 600 cc. Muitos destes são empresários ou profissionais liberais, porém nem por isso menos trabalhadores e emprendedores. A estes, geralmente é associada uma imagem de seriedade, experiência e rep**ação ilibada. Eis aí a evidente discriminação.
Curiosamente, muitos destes indivíduos sequer reinvidicaram para si tal imagem privilegiada. Entretanto, de forma contraditória, muitas vezes endossam a divisão dos grupos, temendo aqueles com os quais dizem solidarizar-se. De certa maneira é uma postura até compreensível, já que boa parcela dos crimes sobre duas rodas é praticada em motos do perfil popular. A sociedade, com sua visão maniqueísta, se encarrega de reforçar esta ojeriza.
Porém esquecem-se os paladinos da moral vesga e dos bons costumes questionáveis que muitos dos afortunados proprietários de motos grandes cometem sua cota de deslizes e atrocidades, ora acelerando suas máquinas além dos limites do bom senso, ora expondo inocentes a um risco que, individualmente, nunca escolheram correr, ora evitando ou mesmo banindo a presença de motociclistas "menores" em seu círculo social. Caberia aqui considerar que trata-se de comportamentos também criminosos?
Há um misto de hipocrisia e arrogância na filosofia de quem "ama as motos e motociclistas, é a favor da paz no trânsito e luta pela interação da categoria, mas cujo sangue gela só de pensar que uma CG se aproxima pelo retrovisor..."
Vale ressaltar que o preconceito também é praticado de forma ascendente, ou seja, de "baixo" para "cima": recentemente, fui com minha namorada ajuda-la na escolha de um capacete. Enquanto aguardávamos atendimento, observei numa das vitrines um adesivo de uma marca de artigos para motofretistas, cujo slogan era o seguinte: "HARLEY PARA MIM É COMETA".
Abstraindo-se o trocadilho espirituoso e também o erro de ortografia forçado (o dito cometa chamava-se HALLEY), o fato é que esta empresa - da qual não me recordo o nome e prefiro nem procurar saber - já institucionalizou a segregação. Talvez sem perceber ou mesmo intencionalmente, está semeando a discórdia entre aqueles que, mais do que nunca, DEVEM e PRECISAM estar unidos, face a avalanche de conspirações midiáticas e políticas que assolam nossa categoria.
O resultado prático dessa "guerra fria" e estúpida é que não somos mais todos motociclistas, somos apenas alguns MOTOBOYS ou PLAYBOYS brigando por espaço e pela própria sobrevivência, quando de fato há maus elementos de ambos os lados. NINGUÈM está com a razão nessa história.
Não é meu intento fazer juízos de valor acerca de nehum Motonliner em particular, nem tampouco situar-me numa posição de superioridade, até porque acabo adotando esta mesma postura receosa no meu dia-a-dia. Estou tentando trabalhar isto, mas não será facil se também os demais companheiros não fizerem seu papel, acreditando que ainda há salvação e realmente arregaçando as mangas pela justiça e igualdade.
Me entristece muito temer parar em auxílio a um desconhecido na estrada, me dói não ser capaz de atender aos apelos e chamados de alguém ou um grupo numa rua escura e deserta ou ainda saber que o senhor de barbas brancas a bordo de sua BMW não tem o menor apreço pela minha vida e não hesitaria em passar por cima de mim, se tivesse a oportunidade. O bem deveria ser espontâneo e não um risco calculado...
Vivemos todos com medo e, sobretudo, desunidos. Nos defendemos bravamente ante os perigos ao redor. Contra o preconceito, infelizmente, andamos quase sempre desarmados...Artur Felipe40705.8122337963