O texto abaixo é extenso, porém muito proveitoso e muito bem escrito pelo Vicente o SAPO.
Vale a pena lêr...
HD Dyna Super Glide – Apenas Duas Rodas e Um Motor – por Vicente o Sapo
O mercado custom
A marca é a centenária Harley-Davidson. O modelo é Dyna Super Glide, também conhecida como FXD. Lá na terra natal, os EUA, é o modelo mais simples da família Dyna. Aqui no Brasil, só há dois modelos da Dyna (o outro é a Super Glide Custom, a FXDC). O motor é o novíssimo (lançado em 2007) Twin Cam 96, de impressionantes 1584cc.
Um grande passo, mas de certo modo natural, para o motociclista brasileiro que escolheu o estilo custom e rodava desde o fim da década passada em motos como a campeã do mercado Honda Shadow 600 e agora a 750, ou ainda na concorrente Yamaha Virago 535 e sua substituta Dragstar 650 entre outras motos que no início da década eram consideradas “grandes”, mas com o amadurecimento do mercado e a evolução da indústria, hoje são classificadas como de “média cilindrada”. No Brasil com a estabilidade da economia nos últimos anos e o estabelecimento de uma fábrica da HD na Zona Franca de Manaus, somados a agressividade do representante de vendas da marca, este lançamento de 2008, na prática, concorre em preço com modelos de pouco mais da metade de sua cilindrada.
E a cilindrada é de fato o que interessa: afinal, como diz o conhecido ditado em inglês:
there’s no replacement for displacement
Um primeiro exemplo é o impacto que o motor transmite ao ser dada partida. Mas falaremos disso mais adiante.
Pilotando
Ao montar na moto, a primeira coisa que surpreende é a posição de pilotagem: os pedais parecem muito próximos, o guidão muito pequeno e distante. É moto pra pilotos com braços longos e pernas curtas. Será que a H-D tirou as medidas de orangotangos para o projeto? Ou do campeão Michael Phelps?
Imediatamente se pensa em equipar a moto com pedaleiras avançadas e um guidão elevado (conhecido aqui como “seca-sovaco” e lá como “Ape-hanger” — “poleiro de macaco”. Bom exemplo do jargão harleiro que acha bonito ser feio. Palmas para o pessoal do marketing). Nada disso, trata-se apenas de impressão causada pelo costume das motos japonesas. Após alguns km, o corpo se acostuma com a posição mais esportiva e até necessária pelo torque do motor. Logicamente, nada obsta que o proprietário opte por instalar os acessórios citados.
Os comandos
Os botões de acionamento dos piscas, da buzina e demais localizados nos punhos do guidão também causam estranhamento a quem está acostumado com o padrão japonês. Mas, novamente, trata-se de particularidade da marca, com que se acostuma facilmente em poucos km.
Os botões são grandes e seu acionamento exige grande curso, tendo sido obviamente projetados para uso seguro mesmo com luvas grossas. Ainda sobre os piscas, um item interessante é que são dotados de um sensor para desligamento automático após as curvas.
O banco do garupa, como era de se esperar, é uma piada. Aliás, a FXD americana nem tem banco para o garupa.
O modelo vendido no Brasil é equipado com o mesmo banco e pedaleiras da Dyna Super Glide Custom (FXDC), mas mesmo assim o pequeno assento traseiro não parece adequado para viagens longas (igualmente a moto não tem nenhum ponto de fixação pra bagagem, cabendo ao proprietário adquirir bagageiros, alforjes ou mochilas). Compromisso com o estilo da moto.
Duas rodas e um motor
E estilo sempre foi um ponto de destaque nas motos custom, por muitos anos até mais considerado que a própria mecânica.
Nesta moto o visual é moderno e limpo, com detalhes inesperados: rodas de liga e poucas peças cromadas. Até o bocal de abastecimento de gasolina também tem um desenho “esportivo”. O logotipo da marca, no tanque, é um adesivo simples e de bom gosto. Um verdadeiro e bem-vindo divórcio do visual dito “clássico” de outros modelos, inspirados em desenhos de décadas atrás. Este desenho atende ao gosto de quem acha que moto se resume ao que interessa: duas rodas e um motor.
A estrela do show
E o motor é de fato a estrela do show. Gerando enorme torque (124,7 N.m a meros 3000 RPM; o manual nem se preocupa em informar a potência), o Twin Cam 96 (96 polegadas cúbicas) não tem a menor dificuldade em empurrar esta máquina de mais de 300kg.
Ao pressionar o botão da partida, o motor pega imediatamente, com uma explosão que faz tremer o chão, transtornando e encantando os pedestres próximos. Na marcha lenta, o motor, apoiado em coxins de borracha, sacode violentamente dentro do quadro.
A vibração tremenda e o característico barulho dos motores da Harley-Davidson em baixas rotações (conhecido pelos puristas como “potato-potato-potato”) são causados pela construção do motor, com um ângulo de 45° entre os cilindros e virabrequim de uma só manivela. Isto era uma necessidade técnica em 1914, mas, apesar da engenharia do século 21 não estar obrigada a estes detalhes, este motor (lançado em 1999 com 1450cc – o TwinCam 88 — e redesenhado para 2007 com a cilindrada atual juntamente com o câmbio de 6 marchas) conserva intencionalmente o desenho original.
Como era de se esperar, a vibração diminui com o aumento das rotações, e praticamente desaparece a partir dos 100 km/h, proporcionando estilo na cidade e conforto na estrada.
O ronco do motor é silencioso e agradável. Muitos proprietários de motos com motor pequeno usam escapamentos abertos (“esportivos”), talvez procurando compensar sua insatisfação “no grito”.
Este motor, porém, não necessita disso porque é realmente grande: mesmo seguindo as duras leis sobre emissões sonoras em vigor (e também por isso a HD no Brasil deixou de vender os escapamentos Screaming Eagle), o som do escapamento original é poderoso e agradável. Uma válvula acionada eletronicamente localizada nos escapes mantém a compressão no sistema.
Câmbio
Mais uma vez fica claro que isto é, como dizem lá, um recreational vehicle. Enquanto frio (o óleo da caixa de câmbio não é o mesmo que lubrifica o motor), cada troca de marcha parece uma marretada. No começo parece que o escalonamento das marchas não é perfeito, e é difícil escolher a marcha certa pra manter o motor “cheio” em todas as velocidades.
A comparação com as japonesas é inevitável, mas desnecessária: é claro que se trata de um conflito cultural. Este câmbio de 6 marchas foi lançado juntamente com o motor 96, que tem tanto torque e numa faixa de rotações tão ampla, que na prática o piloto deixa de ter a responsabilidade de escolher uma marcha e fica apenas com a diversão.
Na cidade ou na estrada
Apesar do peso e do tamanho da moto, ela é supreendentemente manobrável na cidade: curvas de baixa como esquinas e retornos não exigem esforço algum, e é possível até andar pelos “corredores” das vias principais. O centro de gravidade baixíssimo exige tão pouca força do piloto que ela já foi até pilotada por uma mulher. Se exigido, o conjunto pode ter um desempenho assustador: numa estrada bem asfaltada, andando a tranqüilos 110km/h em sexta marcha (overdrive, indicada por uma luz no painel), baixamos pra quarta e chegamos a 160km/h, e só a prudência nos fez aliviar o acelerador. Até agora não alcançamos uma rotação em que o motor “peça” a troca da marcha.
Mas o motociclista custom geralmente não se interessa por altas velocidades. Com esta moto, após deixar pra trás os limites da cidade, ele pode simplesmente engatar o overdrive, esquecer da vida e curtir o vento na cara até a Costa Oeste.
Conclusão: tanto pela razão quanto pela emoção, para quem já rodou muito ou pouco de moto e ainda acha que, o que importa é, como já se disse acima, duas rodas, um motor (melhor ainda se for um 1600) e pegar estrada, a Dyna é a opção ideal. Boas viagens.